Vendemos de tudo menos a Garota
Um clássico no apagar das luzes é gatilho para repensar os últimos 20 anos
A inspiração veio do anúncio de uma loja de móveis da cidade portuária de Hull, na Inglaterra: “For your bedroom needs, we sell everything but the girl” a dupla mais sentimental e introspectiva do pop eletrônico atual, Tracey Thorn e Ben Watt, começaram, em 1982, uma parceria musical e de vida como Everything But The Girl.
Estrearam fazendo um estilinho soft jazz / bossa nova com “Eden” (1984) e logo depois partiram pro jangle pop com “Love Not Money” (1985) ou, em uma tradução bem livre, tá? “Não Me Amarra Dinheiro Não”.
Se você só boiou até aqui, pelo menos um hit do EBTG já chegou até seus ouvidos no momento em que você procurava uma alface boa no Hortifrutti, ou na sala de espera do dentista, no elevador do shopping, ou duas da manhã, no uber, voltando da Lapa, você ouviu “When All's Well”:
We are not true
We are not pure
We are not right
Assim como Julinho da Van, falo com tranquilidade que essas primeiras frases junto com “Amor meu grande amor / Não chegue na hora marcada” ou “Todos os dias quando acordo / Não tenho mais o tempo que passou” ou ainda “Desempregado e falido / Andava pela rua largado e fodido” podem ser incluídas no ranking da intro perfeita em todo universo pop nacional e internacional.
Depois dessa tergiversação toda, chegam os anos 90 e o EBTG lança duas pedradas clássicas do pós-rave-cura-ressaca: “Amplified Heart” (1994) e “Walking Wounded” (1996). E se você continua sem fazer ideia, “Missing” também foi outro hit do pop melancólico. Tocou bem o refrão:
And I miss you
Like the deserts miss the rain
Nada ainda? Tudo bem. Corta para 2023. Depois de um hiato de 24 anos eles lançam “Fuse”, um disco que retoma o clima bom de breakbeat e trip hop sempre com letras bem sacadas como em “Nothing Left To Loose:
Kiss me while while the world decays
Kiss me while the music plays
ou na triste e bela “Lost”:
I lost my mind last week
I lost my place, lost my bags
I lost my biggest client
I lost my perfect job, I lost the plot
I lost my mother
I just lost it
Como todo album novo do EBTG que começo a ouvir, tudo em volta me parece chato e desinteressante. Também, para minha surpresa, o disco me fez pensar em toda minha vida nesses 24 anos em que eles não lançaram nada.
Ben e Tracey continuam os reis dos entre-lugares, dos espaços entre uma coisa e outra, dos intervalos entre o tédio e o urgentíssimo.
Não à toa, o disco me chega no final de um ano, começo de outro. Entre trabalhos, entre amores, entre escrever esse texto e sair para buscar a filha na escola.
Já assinou, recomendou ou deixou um comentário por aqui? O EBTG tá te julgando.