O ano é 1994 e eu estava no modo tudo ao mesmo tempo agora: cursava jornalismo, estudava fotografia, cogitava montar um laboratório de revelação, aspirava formar uma banda, desejava todas as drogas que eu pudesse tomar e, não necessariamente nessa ordem, tinha conseguido um estágio na revista do pessoal do Casseta & Planeta.
A revista saía todo mês e a cada edição, o grupo entrevistava um artista que virava uma das matérias principais. Participei de algumas: Paralamas, Tom Cavalcante, Evandro Mesquita, Sandy & Junior, Dercy Gonçalves e Bezerra da Silva.
Bezerra da Silva e Casseta & Planeta dispensam apresentações. Mas, talvez o jovem ledor não saiba, “Revista” era uma publicação periódica de cunho jornalístico ou de entretenimento em formato físico, geralmente em papel. Era vendida nas Bancas de jornais e revistas. Hoje, “Banca” é um lugar onde se vende de tudo, menos jornais e revistas.
Foi durante uma reunião de pauta de última hora. O convidado da semana cancelou e entre outros nomes, sugeri o Bezerra da Silva. Liga daqui, liga de lá, ele topou de primeira. Na empolgação, ofereci meus serviços de fotógrafo iniciante e, até hoje não sei como, todos os meus sete chefes também toparam de primeira.
Eu considerava Bezerra da Silva uma lenda. Ouvia suas músicas o tempo todo e me interessava pelos compositores que ele costumava gravar: 1000tinho, Barbeirinho do Jacarezinho, Roxinho e Tião Bombeiro.
Antes de trabalhar na redação, eu já era fã do humor dos “Cassetas” (Helio, Beto, Reinaldo, Hubert, Madureira, Claudio e Bussunda) e juntar os dois mundos no mesmo lugar, no caso, uma produtora em Copacabana, já me considerava no topo da carreira. Dos estagiários.
O escritório do Bezerra ficava em um prédio na Figueiredo de Magalhães. Fui o primeiro a chegar. Ele mesmo abriu a porta e me recebeu com um trompete em uma das mãos.
— Não repara não. Tô aprendendo isso aqui.
Foi pra janela e soprou pro trânsito das cinco da tarde PHHHHHFFFuooooon
— Se eles fazem esporro eu posso fazer esporro também, certo? Músico tem que saber tocar tudo, não acha? FFFFFFuuuuoooon
— Sim, acho. Posso tirar uma foto sua com o trompete?
— Pode. Você sabe que eu comecei cantando Coco. Tá ali a capa do meu primeiro disco. O Rei do Coco. Até gravar "Maloca o Flagrante" e ganhar o Disco de Ouro…mas eles ainda acham que a gente é folclore. "Eles", você sabe de quem eu tô falando né?
— É…a crítica?
—Crítica? Crítico ouve meu disco pra dizer que é samba de bandido. Olha aqui, eu gravo samba de trabalhador de verdade, morô? São camelôs, bombeiros, mestre de obra…tem um que tá desempregado, mas tudo é trabalhador, tá ligado meu cumpadi? E tem outra, nunca vi ninguém dá dois em nada. E se ver, tá tudo certo. Tá gravando?
— Gostaria, mas eu só cheguei antes pra fazer as fotos.
— Você não é do Cassete e Planete (sic) ?
— Sou, mas quem vai entrevistar você é o grupo.
— Grupo? São quantos?
— Sete.
— Porra, sete? Achei que fosse você e mais um. Vai caber todo mundo aqui? Não tem nada pra oferecer pra comer, pra beber.
— Posso descer e…comprar alguma coisa?
— Fica aí. Vou pedir pra minha primeira dama do samba providenciar.
—Tudo bem.
—Então, já que você não vai me entrevistar, vamo falar de que? Falar de música. Você toca alguma coisa?
— Baixo. Tô aprendendo.
—Vou te ensinar a tocar pandeiro.
Bezerra pegou o pandeiro e começou a tocar. Explicou o que era o coco. Depois mudou pra samba. Perguntou se eu entendi a diferença. Nesse momento, alguém avisou que o grupo estava subindo para a entrevista.
Agradeci pelas fotos e antes do pessoal chegar, pediu que eu fizesse uma foto dele com o boné novo.
Foi uma das entrevistas mais sinceras e divertidas da revista. Depois, saí por Copacabana atrás de um pandeiro. Foi do Cassete. E Planete.
que delicie de cronique!!!
É cocadaboa, falei...
Mas mudando de assunto, vc tinha câmera profissional? Precisava ajustar diafragma, obturador etc? Sempre me enrolei com essas coisas na faculdade