Começamos a assistir a série despretensiosamente, porém um tanto desconfiados e boladões. Coméque aquele título estranho apareceu em um streaming tão familiar como a Disney+ ? O que as crias vão pensar disso bem ao lado de Divertidamente, Moana 2 e Aristogatas ? Luísa sugeriu criar um perfil novo. Ok, feito. E o que era pra ser “vamo ver só o piloto”, maratonamos Morrendo Por Sexo até quase madrugada.
Escrita por Elizabeth Meriwether (New Girl, The Dropout) e Kim Rosenstock (New Girl, Only Murders in the Building), inspirada no podcast Dying for Sex de Nikki Boyer, sobre os últimos meses de sua melhor amiga Molly Kochan…caro ledor, se você não faz a menor ideia de quem são essas pessoas ou seus trabalhos anteriores, eu garanto, mesmo sabendo que isso não é garantia de nada, essa minissérie de comédia é 10/10.
Molly (Michelle Williams) é uma mulher de 40 anos, casada com Steve (Jay Duplass). Eles não se tocam e não transam há 3 anos, desde que ela sobreviveu a um câncer de mama. Durante uma sessão de terapia de casal, Molly recebe um telefonema do oncologista dizendo que a dor que ela sente no quadril significa que o câncer voltou e com metástase. Ela tem alguns poucos anos pela frente. Devastada e perplexa, Molly decide largar tudo com um único propósito, ter um orgasmo com outra pessoa.
Nesse momento, o ledor mais atento deve estar pensando ora mas que diabos, onde está a comédia? Aí que tá a parada do lance. Não quero usar o jargão “dramédia”, mas vá lá…Morrendo por Sexo flerta com humor, drama e a possibilidade do caldo desandar o tempo todo. Desde o início, por mais que suavizem com ótimas piadas, é claro que a comédia sobre descobertas sexuais vai, inevitavelmente, ceder espaço ao drama e o sofrimento. Porém, a série se sustenta como uma história, sem pieguice, sobre amizades.
Molly quer sexo. E, com todo seu magnetismo e vulnerabilidade, ela é imparável. De todas as experiências, é com o vizinho porcalhão (Rob Delaney) que descarta o lixo de qualquer jeito e sente tesão em ser humilhado que se dá o match. Com o tempo, a relação deles, que era só provocação, se torna uma intimidade verdadeira.
O recurso de usar os pensamentos da protagonista comentando ou ironizando algumas situações lembra um pouco outras séries como Fleabag (2016-2019) e nas reflexões sobre sexo, família, relacionamentos, trauma e solidão, remete a Sex and the City (1998-2004) e I May Destroy You (2020). Porém, nada que desabone cada expectativa, insegurança ou riso de Molly quando descobre o que realmente a excita.
Versão tropicalista, criada por IA, para o poster de Morrendo por Sexo
Ainda no mesmo assunto, o livro De Quatro (All Fours) novo romance da escritora, cineasta, artista performática e atriz Miranda July, traduzido com requinte por Bruna Beber, nos convida para um nova forma de olhar para o desejo e, assim como na série, trata a sexualidade feminina de forma direta, sem justificativas.
Em Morrendo por Sexo, a morte cada vez mais perto torna a liberdade e a libertinagem mais urgente. Em De Quatro não há pressa, nem rumo. Uma artista de 45 anos, na perimenopausa (talvez a primeira narrativa literária contemporânea sobre o assunto), embarca em uma viagem de carro de Los Angeles a Nova York, abandona temporariamente marido e filho, buscando um tempo para si mesma. No entanto, depois de trinta minutos de viagem, ela para em uma cidadezinha e se hospeda em um motel. Lá, inicia uma jornada de autodescoberta e repensa a vida.
Esse é o segundo livro de Miranda July que leio. O primeiro foi Eu, Você e Todos Nós de 2005 e me encantei com seu estilo direto. Rolou uma obssessãozinha. Não conseguia tirar o livro da cabeça. Em De Quatro, uma saga de mais de 300 páginas, meio que aconteceu a mesma coisa. Toda hora me pego pensando nesse personagem, na segunda metade da vida e cheia de fogo. Remoendo, cismando, reconsiderando tudo: arte, sexo, desejo, monogamia, maternidade, menopausa, homens e outras coisas difíceis, pequenas e imensas, tudo junto ao mesmo tempo agora.
Estou sempre num momento decisivo. Tudo está sempre prestes a acontecer. Às cinco da tarde, antes de entrar em casa, tenho que começar a desacelerar a mente, como um astronauta se preparando para lavar louça logo depois de voltar da Lua. (…) Se não for pedir muito, qualquer que seja meu estado de ânimo, eu não quero que mude. Para uma pessoa casada, era pedir muito.
O bom de Morrendo por Sexo e De Quatro é que tanto a série quanto o livro não são e nem pretendem ser auto ajuda, não idealizam nem prometem redenção. Tratam o sexo sem vergonha. Como parte da vida e, vai saber, quem sabe, por que não, da morte.
Caro ledor, considere passar para a versão paga (10 / 50 reais) e assim estender esse dedo de prosa por mais algumas temporadas. Até domingo que vem!