Rude Boy
Música e política se misturam em uma pequena jóia do cinema underground em cartaz no MUBI
Um dos melhores esquetes de Fred Armisen no Saturday Night Live é o que ele interpreta o cantor Ian Rubbish da banda punk Ian and the Bizarros. Em uma entrevista, questionado sobre o posicionamento político da banda, ele responde: “The Clash. O que o The Clash escolher, esquerda ou direita, nós vamos seguir.”
Depois de assistir Rude Boy (Jack Hazan, David Mingay, 1980), uma mistura de documentário e ficção, tendo a concordar com Ian Rubbish. The Clash foi uma das principais bandas punk da Inglaterra e, com muita classe, transformou ativismo em arte e entretenimento.
Em Rude Boy, Joe Strummer (guitarra e vocal), Mick Jones (guitarra), Paul Simonon (baixo) e Topper Headon (bateria) foram capturados, no estilo “cinema-verdade”, em um momento de transição. A banda estava deixando os clubes pequenos para começar a tocar em festivais, estádios, protestos (Rock Against Racism mostrado em uma bela sequência no filme) e ao mesmo tempo em que gravavam “London Calling” - talvez o mais importante da banda - um disco duplo mostrando toda a versatilidade dos caras com reggae, jazz, ska, salsa, rockabilly e eternizado como, para abusar do clichê: o “Sgt. Peppers do punk”.
E no meio de tudo isso, eles ainda arrumaram um tempinho para atuar. Rude Boy é a história de “Slob” Ray, ou o Preguiçoso Ray (interpretado por Ray Gange, que também assina o roteiro), um jovem de vinte anos, funcionário de um sex shop e perdido politicamente. Ray não gosta do discurso da esquerda que diz salvar o mundo e também não se identifica com a política racista do National Front, apesar de ter um amigo que virou skinhead e entrou pro partido.
No meio de todo caos social e econômico, Ray quer mudar de vida e para isso se aproxima da “banda local” - que, por acaso, é o The Clash - e se oferece como roadie. O que rende bons diálogos entre ele e Joe Strummer sobre materialismo dialético.
Outra camada do filme é a parte documental. Além das várias apresentações da banda, estão também registradas as manifestações violentas do National Front, os protestos anti-racismo, as primeiras câmeras de vigilância, a ascensão de Margareth Tatcher e todo conservadorismo que sabemos onde vai dar.
Deve fazer mais de trinta anos desde a primeira vez que eu vi esse filme em uma sessão enfumaçada na Cândido Mendes em Ipanema (ou foi na Laura Alvim? Não lembro direito) e, talvez por ter sido uma cópia em vídeo sem legendas, não me liguei muito na trama e estava mais interessado nas performances do Clash nos ensaios e nos shows. Existe até uma versão editada do filme: “Rude Boy - Only The Clash”. Pra quem não quiser perder tempo com a “historinha” do filme.
Rever o filme hoje, dessa vez legendado, nada se perdeu. As questões estão cada vez mais atuais e as letras das músicas pontuando os vários momentos da trama chegam a emocionar. São crônicas sobre o que é ter uma banda com amigos, viajar e voltar pra casa, se apaixonar por alguém, se perder num supermercado, a Guerra Civil Espanhola, ser anti-facista, anti-racista, criar uma utopia do rock e, ao mesmo tempo, uma contradição como na sequência em que Joe comenta com Ray de que gostaria de ver mais negros na plateia. Ray responde que ao mesmo tempo é um pouco ridículo ir a um show e assistir uns caras brancos gritando “Jah Rastafari” no palco.
Trailer do filme clicando na foto: