Caríssimos 93 leitores,
Para a saideira de 2024, Outras Considerações, traz uma edição especial de fim de ano com novos achados de Crisântemo de Aguiar (1879-????), o último ultra romântico.
Crisântemo é uma flor. E também um poeta. Contemporâneo de Lord Byron, Lobão e Rogério Skylab, seus escritos permaneceram na obscuridade até agora. Crônicas reflexivas, versos poliglóticos, rimas vulgares e por vezes cômicas, Crisântemo prova que foi um revolucionário muito à frente de sua época.
O que mais intriga em Crisântemo é o fato de não conseguirmos identificar o que ele de fato pensou e o que copiou. Apropriava-se de palavras que não eram suas, é claro, mas quais eram? É o que nos cabe avaliar e descobrir onde está o seu pensamento original e onde está o material do qual criou uma obra, paradoxalmente, sua.
Agora vamos lê-lo.
1 - O comerciante libanês
"Perdi. Mas estava aqui em algum lugar. Só preciso lembrar onde guardei." O taxista olhava desconfiado pelo retrovisor enquanto eu procurava por uma nota de vinte reais para pagar a corrida.
Logo eu, logo eu que sou tão meticuloso com as notas na carteira. Costumo organizá-las em ordem crescente. Das menores para as maiores. Uma tia me ensinou isso uma vez. "Desde que comecei a arrumar as notas desse jeito, nunca mais me faltou dinheiro. Um comerciante libanês ensinou." Era a mais rica da família.
Pensei em contar essa história toda para o taxista, sem querer comover o homem, mais no intuito de entretê-lo enquanto eu enfiava a cabeça dentro da mochila já que não achava a porra da nota de jeito nenhum. Mais estranho ficou quando de dentro da mochila saquei o DVD "As Filhas de Drácula" e mais o "Nebraska" do Bruce Springsteen. Nesse momento não cabia mais nenhuma explicação plausível.
Pensei em escambo, mas vi que nenhum daqueles produtos estavam dentro da área de interesse do taxista. Qualquer um pode se perguntar porque eu estava com essas coisas tão díspares na mochila. Não é difícil dizer o motivo. Naquele dia, eu passei na casa de um amigo que me emprestou o filme. Ele mora perto de uma loja de discos e antes de voltar para casa, sempre passo lá para dar uma conferida. Achei uma versão remasterizada desse que é o meu preferido do Bruce e comprei. Nada demais, a não ser o fato de ter gasto o dinheiro do táxi nessa onda. Se é que eu gastei.
"Chefia, não estou achando o dinheiro. Preciso passar no banco." O taxista olhou o relógio, tamborilou com os dedos no volante e quis saber quanto eu tinha. Respondi que além da honra, tinha mais sete reais. A parte da honra é mentira. Ele arrancou bruscamente e parou em frente a um caixa eletrônico quase perto da minha casa, mas que não funcionava. Saltei com a mochila nas costas e quando voltei com a notícia de que não seria possível tirar dinheiro algum, acho que ele falou alguma coisa sobre tomar no meio de algum lugar e partiu cantando pneu. Apalpei o maço atrás de um cigarro no bolso da camisa e achei vinte reais.
2 - Voltar a escrever
Depois do calorão veio a chuva e raio, muito raio mesmo. Tive que desligar o computador. Não tem isso de queimar o equipamento? Já aconteceu com você? Conheço gente que o monitor explodiu na cara. Quem? X. Coitada. Eu gosto de tempestades. Qualquer chuva me lembra Manaus. Muito mais que o calor. Lá eu tinha medo e ao mesmo tempo achava fascinante. Não tenho medo nenhum de chuva. É? Sim.
Mais um texto pra entrega, mais um livro pra ler. Mais um almoço pra tirar do forno. Sem idéias mas sem grande dificuldades, escrever sobre super aceleramento de partículas, superlotação das cidades, superexposição nas redes, superaquecimento do planeta, superabundância de super eventos. Papéis contas cartas bilhetes fotos projeto
Vamos tramar contra tudo e contra todos / Vamos transar essas transas todas / Vamos queimar todo esse barato pra ver o barato que dá
Poema novo? O mundo anda mal mas não precisamos abandonar a poesia, não acha? O papo é o seguinte: voltar a escrever. Isso. Escreve. Escreve um texto daqueles bem nonsense e pronto, você vai se sentir melhor. Nonsense e solidão combinam.
Onde você tá? Longe. Mas chego aí em dez minutos. Então vem pra perto, vem. Levo cerveja? Tempo que não ouço essa frase. Traz. Quantas? 4. Tá. Beijo. Beijo.
3 - O Último Ultra Romântico
Para ler em voz alta
tudo já foi feito
tudo já foi dito
e sentir é infinito
fico besta
Outras mumunhas mais
soltar o verso
dançar o verbo
cantar a letra
Bad Poetry Brasil
De
Lírios
Perfumados
O que vejo agora
livros pilhas de
sofá
computador tela de
papéis caneta telefone
revistas cinzeiro óculos
caderno em branco
TV desligada
sol na janela raio de
Na praia, no ano novo
andei na areia
andei até a beira do mar
andei até te encontrar
iemanjá
minha mãe
minha voz
meu riso
minhas faltas
mãe solar
não tem quando
Por aqui, nos vemos em 2025 ou a qualquer momento, em edição extraordinária