Eu amo a rua. A rua é generosa. A rua é a transformadora das línguas. A rua sente nos nervos a miséria da criação. É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção do perambular com inteligência. As ruas pensam, tem ideias, filosofia e religião. Trágicas, depravadas, puras, infames. Guerreiras, revoltosas, amorosas, aristocráticas. A mais niveladora das obras humanas. - João do Rio, Gazeta de Notícias, 1905
Assim escreveu o homenageado deste ano da vigésima segunda FLIP - Festa Literária de Paraty - onde me aventurei pela primeira vez em todos esses anos. A programação oficial está no YouTube. Lá você pode maratonar todas as palestras da tenda principal. Por aqui, a cobertura dessa Newsletter vai se restringir a pensamentos imperfeitos, esquemas, afetos, pedras irregulares, banhos de caneca, palavras, momentos.
Você, caro leitor, também vai encontrar nessa edição de Outras Considerações, a espiral de horror de Junji Ito na série de animação japonesa UZUMAKI. Em seguida, louvores a Paulo Flores e o ritmo inebriante do Semba.
1 - Diário afetivo de Paraty
Tal e qual um Caboclo de frente para o mar pela primeira vez, fiquei fascinado pelas luzes amarelas que a noite traz pra rua
Oh the rain falls hard on a humdrum town
O que ainda não se escreveu sobre a FLIP? Todas as lendas são verdadeiras.
Vi crianças encostadas em pilhas de livros
Conversas em capítulos. Vozes que se cruzam e se completam nas ruas antigas.
Entre o mar e os livros
Versos que posso ter escrito e perdido: perereca peralta percorre pequena penugem
Hoje tropecei em uma pedra. Ontem no Christian Dunker. Eu trombei com a Naomi Jaffe e quase perguntei qual seria do rolê de mais tarde. Eu vi um cosplay de Chico Buarque. Depois descobri que era o próprio
Você devia decorar seus poemas. Meu amor, não vou decorar não. Outro dia eu tava pensando em quantos poemas eu sei de cor, além de batatinha quando nasce. Eu devo saber uns seis. O Carlito sabe 36. Eu só decorei um do Baudelaire. Embriague-se. Só isso?Só lembro dessa parte. Achei que fosse um conselho. De vinho, poesia, virtude, a bel prazer. Lembrei o resto. Pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio vão responder: É hora de embriagar-se. De vinho, poesia, virtude, a bel prazer. Ai, bora.
2 - Uzumaki
A ideia de que o universo pode ser uma espiral sem fim, onde somos atraídos por forças maiores que nossa compreensão saiu da mente de Junji Ito, um dos mestres do terror no mundo. O grotesco, o bizarro e o incompreensível ergueram morada em Uzumaki (1998-1999), mangá considerado um dos maiores do horror contemporâneo por quase todas as listas. Virou série de animação no Max.
Uzumaki mostra pessoas comuns levadas a loucura por causa de um símbolo: a espiral. A tragédia atinge toda a cidade de Kurouzu, onde Kirie e seu namorado Shuichi tentam sobreviver enquanto a cidade é gradualmente tomada por uma maldição que se manifesta em formas espirais. Cada episódio apresenta uma nova maneira de como a espiral distorce corpos, mentes, o espaço e o tempo.
Eu recomeindo.
3 - Paulo Flores
Como ainda não voltei por inteiro da FLIP, vou continuar falando sobre. Lembrei da palestra do Kalaf Epalanga com Natasha Félix de quando fui apresentado ao artista, compositor e cantor Paulo Flores.
Tá lá na Wikipedia: Nascido em 1972 no Cazenga, bairro popular de Luanda, é uma das figuras mais influentes da música angolana. Com 30 anos de carreira, Paulo Flores é reconhecido como defensor do semba, um dos gêneros mais tradicionais de Angola e suas letras que falam de amor, luta, guerra, esperança e a resiliência do povo.
Entre Angola e o mundo, um caminhar sem pressa. Canções para serem ouvidas e vividas na sinceridade e cadência do semba. Diálogo e resistência. Como uma tarde flanando em espirais por Paraty.