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Escrita, dirigida e encenada por Haroldo Mourão.
Boa leitura.
Eu vi o Sílvio Santos / Sorrindo aquele riso
franco e puro / para um filme de terror
Raul Seixas em “Super Heróis”, disco Gita, 1974
De fato, há 50 anos, o puro suco de entretenimento familiar eram seis canais de TV aberta para se escolher. Porém, lá em casa, nunca aos domingos. Esse era o dia dedicado a um só canal e as oito horas do programa do Silvio Santos. O cardápio da maratona variava entre macarronada, pirarucu de casaca ou frango assado com farofa. Hábito dominical que cultivo até hoje, mesmo sem assistir o SBT.
Nas manhãs preguiçosas do “Domingo no Parque”, crianças trocavam bicicletas por palitos de dente . Adivinhar “Qual é a Música” ao som de uma nota do piano do Maestro Zezinho, antes da dublagem de Pablo com a flor no rosto. Uma espécie de Ziggy Stardust tropicalista. O mais perto de David Bowie que, para nós, crianças, era permitido chegar. À noite, o clima de fim de balada do “Show de Calouros”, os dez mangos de Aracy de Almeida, a dama do samba. Bullying, zoação, jogos de azar, dinheiro pro alto e sensualidade. Sempre aos domingos.
Foi na semana passada quando, finalmente, zerei a terceira temporada de The Bear e lembrei de uma expressão usada na série num contexto assim "fulano assombra sicrano desde a quinta série". É mais ou menos como eu me sinto em relação a voz do Silvio Santos. Assombrado.
Devo confessar que eu e mais alguns amigos obcecados pelo fanatismo, encontrávamos na imitação, nos trejeitos, nos bordões, naquela mistura de Jerry Lewis com Dean Martin num corpo só, a solução para todos os nossos problemas. Era possível manipular pessoas durante décadas, apenas com um sorriso franco e puro.
E aí? O que achou?
Assombrado.
Você não tem nada de bom pra falar do Delfim Neto, não né?
A gente não fazia ideia do que rolava por debaixo dos panos, amigo.
Podicrê. Todo mundo era criança.
Todo mundo.
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1957
Em que acredito?
Na vida privada
Em mostrar cultura
Em música, Shakespeare, prédios antigos
O que eu aprecio?
Música, estar apaixonada, crianças, dormir, carne
Meus defeitos
Nunca chegar na hora