O Pagador de Promessas
A morte de um ente querido desperta reflexões e uma lista para 2024 que só aumenta
Certa manhã, você desperta de sonhos intranquilos com a notícia de que seu querido e velho tio faleceu durante a madrugada.
Você tem algumas horas pra se recompor pro velório. Você pensa no quanto ele foi uma referência importante. Na adolescência, ele fez você admirar o melhor da cidade. Tanto a natureza quanto a intensa vida cultural. Você conversa com sua mãe que está um tanto abalada e as lágrimas caem sem você perceber.
Você lembra das tardes efusivas falando, pensando e gravando alguns LPs da coleção dele que até aquele momento, você só tinha ouvido falar: “Panis et Circensis”, “Ou não” - o disco da mosca - do Walter Franco, “MPB em fascículos”, Tom Zé “Estudando o Samba” , jazz e os clássicos. Formação de caráter. Ainda mais pra um adolescente perdido, tentando entender o que gosta e o que não gosta na arte ou o que fazer da vida, além de f1 na praia.
Você pensa que, por trás disso tudo, deve existir, como no samba de Paulo Cesar Pinheiro, “uma força maior que nos guia”. Desde algumas situações que envolvem pessoas em torno de uma vitrola até escrever listas de promessas de fim de ano.
Entre os vestígios da noite passada, você encontra uma bagana, duas latinhas de cerveja e uma lista. No topo: “Não fumar depois das dez da noite”. Vai ficar pro ano que vem. Mesmo. Você risca e passa para o item dois: "Praticar exercícios”. Você risca e escreve “Reabrir a matrícula na Body Planet".
Os outros itens estavam embaçados. Você procura por seus óculos e percebe que já está usando. Acrescenta mais um item: “Encontrar um oftalmo que aceite plano”. Você escreve isso logo abaixo de “Tentar ser legal”, “Evitar mal-entendidos” e “Ser honesto, franco e justo”. Você volta a se deitar na cama e pensa no que fez. Em que momento você parou de escrever uma lista para redigir o Código de Hamurabi?
O dia segue com mais uma onda de calor extremo que vamos normalizar até que a vida na Terra não seja mais possível. No velório, depois de receber o carinho da família e se emocionar com as boas lembranças, você anda por entre as lápides e te ocorre o compromisso daquela noite: Encontrar os amigos para uma confraternização de fim de ano.
Você sai do cemitério com fome e para em uma lanchonete. Enquanto toma um café, acende um cigarro só pra dar um trago. Você tinha prometido parar de fumar tabaco. Logo em seguida promete a si mesmo não ficar tanto tempo sem encontrar amigos e família. Você promete também zelar por aquele amor antigo, manter lépido e vivo até do outro lado do mundo e não submergir na tristeza e na desistência.
E quando a saudade aumentar, enlouquecer, atingir o auge, você promete escrever.