É possível criar um inconsciente para a máquina? Andróides sonham com ovelhas elétricas? Você, caro leitor, também dá bom dia para o ChatGPT? Estamos nos tornando versões online melhoradas de nós mesmos ou essa o Karnal já respondeu?
Você acaba de adentrar a edição 51 (uma boa ideia) de Outras Considerações. A Newsletter do futuro que não esquece o passado. Aqui você vai encontrar: resenha do clássico instantâneo “Meu Amigo Robô”, convocação para um evento imperdível no Circo Voador e uma playlist amorosa para Antonio Cícero.
1 - A Ficção Cria a Realidade
Na mesma semana em que o babaca do Elon Musk apresenta uma trupe de robôs capazes de interagir com seres humanos, estreou na Mubi a produção franco-espanhola Robot Dreams (aqui traduzida para "Meu Amigo Robô") de Pablo Berger. Indicada ao Oscar de animação 2024, perdeu para o colossal “O Menino e a Garça” de Hayao Miyazaki (Netflix).
Após esse parágrafo meramente informativo, vamos à resenha: o tema que considero mais fascinante em Ficção Científica, além da Terra se tornar uma pira Mad Max, é a possibilidade de que máquinas possam desenvolver algo próximo à consciência humana. Poderia falar aqui de Asimov, Arthur Clarke, Bráulio Tavares, 2001: Uma Odisseia no Espaço, Blade Runner, Her ou Ex Machina, mas vou falar de um desenho animado que, de forma semelhante, levanta questões profundas e inesperadas sobre a interação ser vivo-inteligência artificial.
Adaptado de uma graphic novel, é a história de “Dog”, um cachorro, que durante os anos 80, vive sozinho em uma Nova York sem humanos, apenas com animais antropomorfizados. Entediado e sem amigos, compra um Robô para fazer companhia e um vínculo de amizade se estabelece imediatamente. Até aí, tudo bem.
A coisa complica em uma ida à praia e o Robô fica encalhado por lá e (não vou entregar a rapadura toda) os dois amigos só podem voltar a se encontrar no próximo verão. Nesse hiato, Dog procura outras formas de socialização, quase todas infrutíferas, enquanto o póbi do Robô, paralisado, começa a sonhar (daí o título original) com o amigo cachorro, gente. Coisa linda.
Além de trazer uma reflexão sobre a condição humana em um contexto tecnológico, Meu Amigo Robô - no tom contemplativo da linha clara e menos frenético que outras produções atuais - levanta questões sobre identidade, sentimentos, vida, rotina, pensamentos, criação, essa ampla circulação de imaginários e fantasias que vivemos e de como os robôs (ou IA, como queira o leitor) são vistos apenas como ferramentas.
Algoritmos são capazes de aprender padrões e responder estímulos, operam com base em dados, mas não sonham, não reprimem memórias, e não experimentam a divisão interna que caracteriza nosso inconsciente. Resta saber até quando. Seria controlável essa nova subjetividade? IA é vida? Figurinha de “fica a reflexão”.
2 - Black Future
Amizades, vou divulgar aqui um evento pra quem mora no RJ e curte música, cinema e o Circo Voador, que eu garanto - se é que existe alguma garantia nisso - vai ser memorável. O doc Eu Sou o Rio, de Paulo Severo, sobre a banda Black Future.
Eu sou o Rio / Sou Zé do Queijo / Sou Zé Kéti / Joãozinho Trinta / Sou Cartola / Sergio Mallandro/ De todo bando de marginais / Que assola a Lapa / Eu sou a Lapa
1988, governo Sarney, pior crise econômica da história. Enquanto eu e mais uma galera frequentávamos o cinema Estação Botafogo por conta de filmes alternativos, música alternativa e substâncias alternativas, a gravadora RCA bancava a ideia de que tudo poderia tocar no rádio e criou o Plug, um selo especializado em rock alternativo, numa tentativa de promover a cena independente com o suporte de uma grande gravadora. Deu certo? Não vou dizer nem que sim, nem que não, vou dizer talvez.
Entre desenrolar uma fita aqui e outra ali, adquiri, a duras penas, alguns dos lançamentos: Rock Grande do Sul, Violeta de Outono, Hojerizah, Picassos Falsos, Miquinhos, Hanói Hanói e, meu predileto, Black Future.
Brilhante do início ao fim, produzido por Thomas Pappon, o disco, que ainda não se encontra em nenhuma plataforma, junta Antonin Artaud, as artes plásticas, música eletrônica, pós-punk e samba, num retrato de época intenso, caótico e mais atual e contestador que muita banda nova.
Nos vemos no Circo!
3 - E a gente faz um país
O mundo fica mais triste quando morre um poeta. Hoje, faço minhas as palavras de Luisa, mái love, de tão desalentado fiquei com a partida dele: "é provável que os primeiros poemas que mais me tocaram tenham sido os de Antonio Cícero, pela voz de Marina. Ele continuou com seus poemas ressonantes em minha cabeça pelas vozes de Adriana Calcanhoto, Caetano, Bethania, Gal…os poemas de Antonio Cícero andavam pelas bocas de todos nós.”
Tanto que selecionamos seus hits para uma play que ficou com mais de 3 horas e não contemplou tudo: