Pelos idos de 2010, eu tinha um Blog. E metade da humanidade também. A outra metade entrava pra ler e falar mal. Nada muito diferente do que acontece hoje. Talvez com uma diferença: era texto, texto e mais texto.
Minha memória anda meio desconjuntada, mas é bem possível que naquela época as pessoas fossem mais incentivadas a ler. Ou a popularização do “conteúdo online” e toda aquela fruição dos Blogs só foi possível graças a velocidade da conexão. Texto carregava mais rápido e assistir um vídeo online era uma tarefa árdua.
De qualquer forma, hoje, revirando o baú, me deparei com dois textos que não cheguei a publicar. Uma crônica inspirada em conversas que eu tinha com um amigo que não tinha hora pra visita. O segundo é uma tentativa de composição ou homenagem ao estilo de Rogério Skylab. Desfrute. Ou fale mal, como quiser.
Meu Amigo Parsival ou o Imperfeito do Subjuntivo
"Sabe o que acontece quando o tocador de CD do meu computador fica muito tempo aberto? Ele fecha sozinho. Não é incrível isso? Como ele sabe que estava aberto?" Esta é só uma das milhares de observações implausíveis de meu amigo Parsival sobre a vida, a rotina, o tempo e os aparelhos eletrônicos que nos cercam. Para ele, coisas que aparentemente não possuem ligação alguma estão intimamente ligadas e tudo acontece feito mágica. Talvez para reforçar o truque e a teoria, Parsival sempre aparece em minha casa sem avisar. Já quase me acostumei com isso, apesar de sempre ficar com raiva. Mas, às vezes, uma conversa no meio da tarde com um amigo de infância pode render algumas linhas.
"A vida não começou na Terra. Começou em Marte."; "Já reparou que você pode entrar em qualquer loja de discos, se você encontrar o primeiro do Bad Brains, você vai encontrar o primeiro do Black Flag e logo em seguida o primeiro do Bob Marley?"; "Sabe que circula por aí um desenho dos Simpsons produzido no Paraguai?"; Estar com Parsival é ter a consciência de passar as próximas horas no "Aham". Porém, na última vez que ele apareceu por aqui, eu é que precisava falar sobre alguns fatos estranhos.
Naquele dia, meu telefone tocou desde às oito. O que já parece esquisito, meu telefone não toca de manhã, nunca. Ou, se toca eu não ouço. Mas tocou também às nove, às dez... parecia uma emergência e às onze atendi.
Era uma oferta de um banco que sequer eu tenho conta. Dispensei. "Não me interessa e por favor não vá me ligar de novo ao meio dia." Duas horas depois, outro telefonema, outra oferta, banco diferente. Disse que ia viajar por seis meses para o Rajastão. A atendente perguntou se eu poderia fornecer algum número para ser localizado por lá. "Você pode me achar do mesmo modo que me achou aqui: Lista telefônica!".
Contava essa história para Parsival e pela primeira vez em muitos anos, ele parecia me ouvir. Foi quando o telefone tocou novamente. Parsival fez uma cara de espanto. "Tá vendo? Você acabou de me contar essa história de telefonemas chatos. A cada dois telefonemas chatos a gente recebe um terceiro, surpresa, que é legal. Esta pode ser a promoção ou a pessoa que vai mudar a sua vida pra sempre. Atende." Atendi. "O senhor foi sorteado para conhecer a rede de hotéis Pestana. Todos os nossos quartos possuem vista para o mar e o senhor também concorre a um sorteio para conhecer nossos outros estabelecimentos no Nordeste. Basta o senhor me fornecer seus dados." Desliguei, é claro.
Depois de explicar mais um telefonema misterioso para Persival, ele não se conteve. "Você devia ter ido! Não tem nada demais. Não é caô. É uma oportunidade que só acontece uma vez na vida. Já recebi esse mesmo telefonema e fui. Conheci o hotel, almocei, tomei cerveja...tudo de graça. Só não viajei porque um mané, um gerentezinho de merda afim de mostrar serviço implicou comigo. Tudo bem que a promoção tava no nome da minha mãe...Teria alguma coisa demais se eu fosse no lugar dela?" Eu disse que o pior disso tudo é a cara de pau. "Ah, mas lembra quando a gente era moleque e dava calote no ônibus pra ir até o Shopping? É a mesma coisa. Se não fosse legal eles não estariam telefonando. É o imperfeito do subjuntivo." "Aham.", pensei.
Tentativa de composição (à moda de Rogério Skylab)
- Tá foda de dormir assim.
- O que é que tá acontecendo?
-Tem mosquito aqui.
-Tem?
-Não tá ouvindo?
-Não.
-Cobre a orelha e o nariz.
- Não gosto de mosquito.
- E quem é que gosta?
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
Aí resolve o problema do mosquito
Mas tá frio pra caralho
E você começa a espirrar
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
Daí o telefone toca:
- Alô?
- Alô quem fala?
- Quer falar com quem?
- Quer trocar de cartão?
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
Você vai dormir
E o vizinho
Começa a fazer faxina
Ele liga o aspirador de pó
Que faz um barulho filha da puta
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
O telefone toca mais uma vez:
- Alô?
- Alô quem fala?
- Quer falar com quem?
- Vai votar na Dilma ou no Serra?
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
Agora tá tranquilo
O vizinho desligou o aspirador de pó
O telefone tá fora do gancho
Você já pode voltar a dormir
De repente
Começa uma obra na esquina
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
Agora, é o celular que toca:
- Alô?
- Alô, quem fala?
- Quer falar com quem?
- Estamos entrando em contato para ver se o senhor não vai estar querendo...
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!
SÃO SEIS E MEIA DA MANHÃ!!!