O alarido e a mistura de forró, carimbó, modão, piseiro, halls na língua e toma toma dos bares e restaurantes em volta do karaokê na Feira de São Cristovão só aumentava com o passar das horas, enquanto eu meditava com o cardápio de mais de mil canções. Fiquei entre "Paradise City”, “La Isla Bonita” e “Cheia de Manias”. Qual desses hits merecem um bar inteiro cantando bêbado e desafinado? Não consegui decidir.
Naquela mesma noite, numa dessas coincidências de algoritmo, quando você pensa alguma coisa ou está num determinado lugar e o assunto brota, do nada, no celular. No caso, um vídeo. Alguém falando de como ficar posturado nos Karaokês da vida: "Quer cantar afinado vai no The Voice”. Concordei depois de ouvir a décima quinta versão de “Evidências”, a “Stairway to Heaven” dos barzinhos.
Começou a chover torrencialmente e o lugar virou o Rancho da Goiabada. Lotado de exus, pombagiras, pais de santos, flagelados, balconistas, palhaços, marcianos, canibais, lírios e pirados. Conforme a água subia, a cantoria e o nível etílico, meu e dos habituês, também se elevou competindo com o temporal furando o zinco. Na mesma hora pipocou um anúncio de pochete impermeável na minha timeline.
Enquanto eu pensava se devia encomendar uma ou não, eu vi Marina Sena adentrar o Karaokê. É certo que a cachaça de Jambu tem lá seus poderes alucinógenos e na mesma hora também pensei que poderia ser alguém muito parecido com ela. Mais um gole da Jamburana e, tal e qual uma madeleine de Proust, o Reveillon em que passei ao som de “Ombrim” na voz maviosa de Marina Sena me invade a mente. Onde eu estava mesmo? Ah Lembrei. Dançando “Ombrim". Gastei essa música. Gastamos. Gostamos. Ainda gosto.
“Ai que delícia o verão / a gente mostra o ombrim / a gente brinca no chão”
Marina Sena, ou supostamente Marina Sena, estava com um grupo de amigos. Todos animados, bebiam cerveja. Ó, entendi toda a proposta do show em homenagem a Gal Costa no The Town. Entendi tudo. Tudo. Existem certos tributos em que o artista se torna vítima da própria obra. O maior exemplo disso são algumas versões das músicas do Renato Russo que nem nos piores pesadelos ele poderia imaginar. Não foi o caso. Parabéns! Entendi toda a conexão depois que li em algum lugar que você nasceu no mesmo dia que a Gal e tipo que tal uma releitura do clássico Gal Canta Caymmi? Ficaria assim “Marina Sena Canta Gal Canta Caymmi”. Não seria nada Gal. Digo, nada mal. Toda essa elucubração se passou internamente. Eu só pensei nisso tudo. A timidez, a idade avançada e, principalmente, a embriaguez me impediram de fazer qualquer coisa. Ainda bem.
Foi a hora em que a chuva aquietou e Marina Sena, convicta, levantou-se da mesa. Com o olhar altivo, pegou o microfone e atacou na sequência “Até Quem Sabe”, “Mãe”, “Candeias”, “Flor do Serrado” e “Flor de Maracujá”. Minhas preferidas na voz da Gal. Ali, em uma interpretação intimista, olho no olho, Marina Sena acalentava os pândegos, os inimigos do fim, que teimavam em ficar.
Terminada a cantoria, ela voltou pra mesa lentamente. Acendeu um cigarro de Kumbaya. Tenho certeza que era. O cheiro de alecrim, lavanda, camomila e brinco de princesa, não engana. Num átimo perguntei “Ei, você é a Marina Sena?” Ela “Não, sou a Luisa Sonza.”
No mesmo instante recebi um pedala de um amigo “Acordaí, Menoh! O uber chegou. Tava sonhando, é?”
Tava.
Fantástico seu texto fantástico
kkkk buguei