Fingindo que sou rico pra ninguém zombar de mim
Noel Rosa, Ricky and Morty e meu mundo Thelonious Monks' Blues
1. Noel Rosa e a invenção da vida moderna
O mundo me condena e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fomeMas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim - Filosofia (Noel Rosa, 1933)
Então, lá estava eu, andando pelo centro da cidade, quando me veio um estalo na cabeça. Era, além de uma castanha que caiu da árvore bem no meu cocoruto, a ideia de escrever a newsletter da semana com a certeza quase absoluta de que o assunto “redes sociais” veio à tona, pela primeira vez, nesse samba visionário do Noel.
As vítimas da sociedade, a indiferença enquanto estratégia de sobrevivência, o cinismo, a ironia, a resignação, a encenação da encenação, “a prontidão” (miséria) sem fim e falsear uma condição que não se tem. Tudo isso para, supostamente, nos livrar do deboche alheio, isso não é o instagram, o twitter e o bumble todinho?
Na segunda parte, o paradoxo do sambista:
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois, cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba
Muito embora, vagabundoQuanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro mas
Não compra alegria
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia
Estamos sempre correndo atrás de algo que é impossível encontrar. Foi o que pensei naquele final de tarde, enquanto procurava um doce de figo na Mercearia Paladino. Também pensei que “Filosofia” é um tratado sobre a condição humana. Mas alguém, nesses noventa e tantos anos de lançamento do samba, já deve ter dito isso. Só estou aqui repetindo, fingindo que sou escritor, pra ninguém zombar de mim.
2. Ricky, Morty e Dragon Ball entram num bar
Nunca fiquei tão entusiasmado em ficar desorientado enquanto assisto uma série de animação.
Em certos momentos, não ter a menor ideia do que se trata o enredo, o lugar, que personagens, em que diacho de falha espaço-tempo ou multiverso está se desenrolando o episódio. Nessa nova temporada de Ricky and Morty - The Anime, o caos é o normal.
As aventuras de um avô matusquela e gênio da ciência (Ricky) com seu netinho pré-adolescente com os nervos em frangalhos (Morty), depois de presenciar todos os “crimes contra o Universo” planejados por seu avô ou a versão 317 de seu avô.
Adaptada para o formato anime, o coro come, tá? Mas agora num tom mais introspectivo. Tudo indica que (é semanal), Morty vai se apaixonar. Sinceramente, espero do fundo do meu coração que isso aconteça e o coitado desapoquente. Ou não. Morty apoquentado é a maior diversão.
Tá no Max.
3. Meu mundo Thelonious Monk's Blues
Já Rewind and Play (Alain Gomis, 2023), tá na Mubi. A primeira vez que ouvi Thelonious Monk foi naquele disco Monk's Dream. E me tornei um “Monkfan”. Sério mesmo. A versão, só no piano, de Just a Gigolo me fez ter vontade de começar a ouvir tudo de jazz - até então só ouvia Metal, Pós Punk e um tantinho assim de Carimbó - e consumir qualquer coisa que tivesse o nome Thelonious Monk escrito.
Provavelmente só perco pro Clint Eastwood que produziu um documentário sobre o cara Straight, No Chaser (1988). A direção de Charlotte Zwerin faz um retrato respeitoso de um personagem complexo. Figura central do be bop, bagulho dele com Coltrane era fortíssimo e tá nas paradas desde 1940. Constato que Round Midnight é dessa época. Emoji de "passado".
Solo Monk (1965) foi, é, sempre será um dos mais mais
A mística desse músico e sua música no documentário Rewind and Play sofre um atentado. O filme mostra a íntegra, o bruto, da gravação de uma entrevista de Monk para a TV francesa em 1969. Tá na descrição da Mubi: "Hipnótico, enervante e envolvente”. Deveriam incluir ênfase em enervante.
Ao mesmo tempo que o filme é uma jóia por mostrar uma das últimas apresentações de Monk - faleceu em 1972, mas se afastou do showbiz por problemas neurológicos - é também de uma escrotidão o jeito que o apresentador e também pianista Henri Renaud, trata seu entrevistado, claramente desconfortável em frente às câmera. Pede para repetir as respostas mas evasivas possíveis umas trocentas vezes, enche a porra do saco e Monk toca um piano pra francês ver, mas ainda assim genial.
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nunca tinha parado pra prestar atenção em thelonious (não sou muito do jazz). fui lá ouvir. gracias :)