Glicose e libido em alta nesse Outubro dedicado ao ocultismo. Outras Considerações - a sua newsletter de outro mundo - traz essa semana:
Uma resenha do filmaço (grande mesmo. 134 minutos), Rivais, de Luca Guadagnino; comentários sobre o melhor filme trash do ano e a poética do herói da adolescência Augusto “um urubu pousou em minha sorte" dos Anjos.
1 - Rivais, bitch
Pelo menos uma proeza o diretor Luca Guadagnino (adoro escrever esse nome) conseguiu realizar: tornar sexy e interessante o esporte mais enfadonho do mundo.
Até então, não via mais a mínima graça em Tênis desde as altas performances de Martina Navratilova. Ah, sim, tá certo, quase me esqueço das atitudes bad bwoy do John McEnroe, quebrando raquetes e discutindo com juizes, da época em que acompanhei Wimbledon por várias sonecas em frente a TV. Também não posso deixar de mencionar aqueles pique da eletrizante carreira de Guga Kuerten.
Pensando bem, Tênis foi meu esporte favorito até me dar conta de que jamais teria grana suficiente para praticar. Ao mesmo tempo, adorava assistir outrem no esforço colossal para acertar uma bolinha com uma raquete. Como eu costumo fazer com a raquete elétrica atrás dos mosquitos, em casa, quando de bom humor, ou seja, nunca.
Tergiverso. O fato é que Rivais traz beleza e divertimento. Desde Call Me by Your Name, o remake de Suspiria e Bones and All que sigo maratonando a carreira de Luca Guadagnino e seus personagens complexos.
“Clássico é o que é são, romântico é o que é doente”,
dizia Goethe
Rivais é uma mistura das duas coisas, digo eu.
Zendaya entrega tudo no papel de uma ex-tenista (Tashi Duncan) que agora treina o marido enquanto enfrenta seu passado. A treinadora implacável versus o amor de dois homens é o que mantém sempre teso o arco da promessa. Da narrativa, eu quis dizer.
O quarto elemento do trisal é a trilha sonora cheia de nuances e batidas eletrônicas do Trent Reznor e do Atticus Ross. Camadas de pressão constante sobre o desejo (ui!) dos personagens e suas complexas trocas emocionais (literalmente, meo) em jogo. Ou seja, boas (trocadilho alert) “sacadas” para os problemas dos ricos. Também, quem nunca?
2 - Entrevista com o Demônio
São produções como essa, meio trash, meio bem feitas, que me lembram o quanto eu gosto de filmes de terror. Late Night With The Devil ou Entrevista com o Demônio parte de uma premissa original para um filme sobre possessão demoníaca.
Uma fita de um talk show dos anos 70 é encontrada e revela as gravações de um especial de Halloween na luta pela audiência, o caça like da época. Um apresentador, Jack Delroy (interpretado por David Dastmalchian), sem carisma algum, retorna a TV depois de superar o trauma de perder a esposa. Para não correr o risco de, mais uma vez, ver os números da audiência despencarem, a produção apela para uma entrevista com o Capeta, encarnado em uma menina que cresceu dentro de uma seita satanista.
A partir daí, se o que vemos é encenado ou não, se o estúdio é o inferno, se tudo fica sanguinolento e exagerado, já não importa. Os cortes, as piadas sem graça, a reconstrução de como eram as gravações de um programa dos anos 70 é impecável, mesmo com as inúmeras pontas soltas no final, o filme diverte.
Entrevista com o Demônio tem gerado debate, polêmica e boicote depois que os autores admitiram o uso de Inteligência Artificial na criação de alguns gráficos do filme. Posso dizer que me enganaram direitinho. Embarquei na viagem e não fiquei “possesso” como alguns fãs. Tá na Netflix.
3 - Para não dizer que não falei de Anjos
Eu devia ter uns 18 anos a primeira vez que li Versos íntimos:
Vês! Ninguém compareceu ao formidável enterro
De tua última quimera
Somente a ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável
Me pegou muito. Pegou do jeitão do Billy Wilder quando dizia que toda obra deve pegar o público pelo pescoço e não soltar mais. “formidável enterro”, “ingratidão-pantera, “última quimera” imagens fortes demais para um angustiado fã do The Cure não se abalar. O poema continua e poderia reproduzir todo aqui, no entanto, prefiro destacar essa estrofe:
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Como não amar? Depois veio Psicologia de Um Vencido:
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
É desse mesmo poema o trecho “Profundissimamente hipocondríaco” e sempre acho que é hora de revisitar a poética de Augusto dos Anjos toda vez que passo em frente a mais uma Drogaria Venâncio recém inaugurada.
Noutro poema ele compara a consciência a um morcego, em um outro vagou durante um século, improficuamente, pelas monotonias siderais. A melancolia, o desamparo e a solidão mais presentes do que toda a filmografia de Lars Von Trier.
O Arnaldo Antunes gravou Budismo Moderno. Toma:
Ah! Um urubu pousou na minha sorte
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte