Eu me apaixonei pela primeira vez aos treze anos de idade. Foi por uma professora. Alacir era o seu nome. Ela estava em pé ao lado da lousa ensinando regra de três. Cruzamos os olhares e eu me apaixonei.
Lembro que ela uma presença enigmática. Séria e intensa. Era raro uma professora dar aulas no Colégio Militar de Manaus. A maioria dos professores eram homens e militares. Coronel Carneiro Leão, professor de história. Major Ernesto Cadwell, professor de geografia. E assim por diante. A professora de matemática da turma C3 era civil. Ou “uma” civil. Costumávamos chamar por um ou uma civil quem não era militar.
Durante muito tempo eu escondi essa paixão. Porém, minha devoção ficou tão escancarada que passei a ir mal na matéria. Matemática, até hoje, não é lá muito meu forte. Cheguei a tirar “-1” em uma prova. Abaixo de zero e não me importava.
Eu achava que tinha enlouquecido ou tomado por uma febre constante. Queria mesmo chamar a atenção da professora. Não conseguia mais me concentrar nas aulas e nem nas cerimônias matutinas de hasteamento da bandeira.
Com a turma em formação no meio do pátio, eu buscava uma posição que me permitisse acompanhar o momento em que ela deixava a sala dos professores para vir cantar Ouviram do Ipiranga conosco. Cruzávamos os olhares várias vezes durante essas cerimônias. O que aumentava minha distração em acompanhar a ordem unida, entre outras convenções da disciplina militar como cortar o cabelo. Volta e meia o Capitão Urtigas berrava em meus ouvidos.
-Aluno, ajeita essa passada! Tá no mundo da Lua? Tá na hora de cortar esse cabelo. Qual é a sua matrícula? Quer ficar quantos dias detido? Que cara é essa? Tá apaixonado?
Eu tenho absoluta certeza de que ele proferiu exatamente essas frases. O ralho, a mijada, o esporro do Capitão foi tão alto que mesmo com a banda macetando o hino do exército brasileiro, meu amigo Aloísio, logo a minha frente, caiu na gargalhada.
Agradeci mentalmente por ter me livrado do Capitão que partiu pra cima do Aluísio:
-Tá rindo de que, aluno? Tenho cara de palhaço? Qual é sua matrícula? Quer ficar quantos dias detido?
Enquanto desfilávamos em torno do gramado, em continência a bandeira do Brasil, a paixão me salvou. Ou, pelo menos, dos gritos do capitão a paixão me salvou.
Eu não podia contar pra ninguém o que sentia e por isso parecia sempre com sono ou de mau humor.
- Que caruncho é esse?
A voz era dela. A professora Alacir veio em minha direção. Eu estava na porta da sala de aula e ela percebeu meu estado de êxtase e desespero.
-É o jeito que me faço parecer interessante, professora. - Pensei. Só pensei.
Na real, fiquei extático, arrebatado. Ela não só se dirigiu a mim como também passou a palma das mãos em meu queixo e entrou na sala triunfal.
Fiquei o dia inteiro com a sensação de ter o queixo acariciado. Durante todo o intervalo, enquanto os outros alunos buscavam algum incauto pra zoar ou fazer montinho, eu tentava encaixar a minha mão no fantasma da mão que havia se formado em meu queixo. Até que um pescotapa me tirou do idílio amoroso.
-Vou ficar uma tarde detido por causa dessa tua cara de pomba lesa. - Era o Aloísio.
-Também sentiu o bafo de uísque do Capitão às oito da manhã? - Respondi.
Gargalhamos juntos. Combinei que também iria com ele pra detenção.
-É só uma sala vazia. Dá pra trazer walkman e ficar ouvindo música. - Falei tentando convencer a mim mesmo que seria divertido.
Minha vontade genuína era saber se a professora também dava aula no turno da tarde. Nunca descobri.
Ela partiu assim como veio, antes do final do ano letivo. Guardo comigo só sua lembrança, nenhuma fotografia. Mas em cada mulher que amei estava Alacir, a professora de matemática, uma civil.