Com todo respeito, veja o leitor, já me disseram que sou bom de preliminares. Óbvio que estavam falando em relação a essa breve introdução aos assuntos da Newsletter. Atividade que faço com o maior prazer, na intenção de capturar sua curiosidade e, em seguida, sua atenção. Como todo bom romance que logo no início, já no primeiro parágrafo, nos transporta para o universo do livro.
É o caso do monumental Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquéz, em mais uma resenha elogiosa que não chega a triscar a ponta da unha do dedão do pé do livro. Por isso mesmo, não me atrevo a cometer suposto delito. Atingido pelo raio da sobriedade, decidi tecer, mui amorosamente, alguns comentários sobre a primeira adaptação do livro para a TV em cartaz na famigerada Netflix.
E mais, o que o diretor Robert Eggers e eu temos em comum? Não é a conta bancária, mas sim o amor por contos folclóricos e em especial a adaptação do Drácula, de Bram Stoker, que resultou no clássico do terror/amor gótico, Nosferatu. Se você ainda não assistiu a essa nova versão, mude de calçada ao me encontrar na rua. Ou leia essa resenha por sua própria conta e risco. Contém spoiler desde 1922.
Para finalizar, o poema Pessoas de Crachá que Andam em Grupo Tomando a Calçada. Uma ode à camaradagem corporativa em busca do próximo almoço a quilo.
Outras Considerações, primeirona do ano, está no ar! É que nem Coca Cola…Enjoy!
1 - Cem Anos de Solidão
“Tô na metade.” Era minha resposta clássica a qualquer um, sempre que perguntado se eu já tinha lido até o fim as mais de quatrocentas páginas do romance-fundador-cirúrgico-seminal-aesthetic de Gabriel García Marquéz.
Na real, ainda estava no início. Mais precisamente no primeiro parágrafo. Dias, semanas, meses de arrebatamento:
“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde em que seu pai o levou para conhecer o gelo.”
Maninho, se você não se enternecer por essas palavras ou pela forma em que elas estão ligadas, você morreu por dentro. Era o que dizia minha professora de literatura do Colégio Militar de Manaus. Eu devia ter uns treze anos e aquilo me bateu de um jeito que fiquei doente, com a maleita, tive febre alta à noite. A cama chacoalhava.
Antes que eu comece a desfiar o rosário dos meus cem anos de solidão, voltemos ao assunto da nossa conversa. A série Cem Anos de Solidão, de Laura Mora e Alex García López, traz uma calma em contar essa história impossível de ignorar desde a primeira cena e onde o tempo é a chave.
Me pegou muito e de uma maneira generosa, fez o favor de dar um rosto a todos aqueles personagens de mesmo nome sem cair na enrascada de virar uma confusão do escambau, tipo Dark. O “realismo mágico” às vezes tem cara de novela das seis, mas who cares e o roteiro tem o mérito de realçar a beleza de algumas passagens do livro, como direi, assim, de um jeito maneiro…encantadoras de burro bravo:
“Pensava em sua gente sem sentimentalismo, num severo acerto de contas com a vida, começando a compreender o quanto na verdade amava as pessoas que mais havia odiado.”
Amigo, se o assunto é polarização, copia e cola esse trecho:
“Os liberais, dizia, eram maçons, gente de má índole, partidária de enforcar padres, de implantar o matrimônio civil e o divórcio, de reconhecer direitos iguais aos filhos naturais e aos legítimos, e de despedaçar o país num sistema federal que despojava de poderes a autoridade suprema. Os conservadores, em contrapartida, que haviam recebido o poder diretamente de Deus, defendiam a estabilidade da ordem pública e da moral familiar, eram os defensores da fé em Cristo, do princípio de autoridade.”
Descrição que se preze é assim que se escreve:
“Tinha a rara virtude de não existir por completo a não ser no momento oportuno.”
Auto-ajuda? Toma:
“O segredo de uma boa velhice não é mais que um pacto honrado com a solidão.”
Vai tomando. A série me fez voltar ao livro e já passei da metade. Quem sabe termino antes da segunda temporada.
2 - Nosferatu
O Vampiro da vez tem mais de duzentos anos, um aspecto monstruoso, ameaçador e o queridíssimo Robert Eggers - A Bruxa e O Farol - fez uma releitura contemporânea do clássico alemão de 1922, originalmente dirigido por F.W. Murnau e, como já sabemos de antemão, é uma adaptação do Drácula de Bram Stoker.
A trama acompanha Thomas Hutter (Nicholas Hoult), um jovem corretor de imóveis. Ele viaja à remota e sombria região da Transilvânia para tratar de negócios com o misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård), onde vivencia uma série de eventos aterrorizantes no castelo do conde. Enquanto isso, a esposa de Hutter, Ellen (Lily-Rose Depp), permanece em casa, sofrendo com visões perturbadoras e pressentimentos que parecem conectá-la de forma sobrenatural ao próprio Orlok.
Se é verdade que para todo fino legente, meia palavra basta, aí está contada a base, o refogado de todo filme de terror, não é segredo. Eggers, assim como Murnau, também cria um pesadelo vivo com os movimentos dos atores em direção à camera.
A arquitetura nórdica e suas fachadas de tijolos truncados, é perfeita para a ação insólita. Não tem o que falsear, o castelo do vampiro já tem um aspecto sinistro e as ruas e praças estão cheias de mistério. Em Nosferatu, a natureza anuncia a desgraça que vai sepultar a cidade. Colinas sombrias, nuvens carregadas, o mar agitado, faz prever a aproximação do vampiro.
Fui impactado por todo esse delírio visual romântico no Cinema São Luiz. Mais precisamente na sessão em que fui, onde um casal errou a sala achando se tratar de Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa.
3 - Pessoas de crachá que andam em grupo tomando a calçada
"Pessoas de Crachá que Andam em Grupo Tomando a Calçada"
Pessoas de crachá que andam em grupo tomando a calçada
Eu sou quero passar
Não sou concursado
Nem empregado de nenhuma grande empresa ou instituição
Quero apenas ir ate ao mercado
Entrar na fila do pão
Pessoas de crachá que andam em grupo tomando a calçada
Estabilidade até que é bom
Parece até o céu
Só pra mim que não
Por não mexer na planilha do Excel
Nem saber programação
Pessoas de crachá que andam em grupo tomando a calçada
Se vocês deixarem um espaço entre o poste e a rua
Prometo passar sem fazer alarde
É que hoje acordei tarde
Porque desmarcaram a reunião
Pessoas de crachá que andam em grupo tomando a calçada
Só queria agradecer
Por trazer emoção para o meu dia
E transformar meu caminhar
Em um jogo de estratégia e ousadia
Agora não vou mais ficar irritada quando vir o grupinho de crachá embarreirando a calçada. Adorei com o poema rsrsr! A arte salva
kkkk esse poema 🖤