“Andaluz e Marca-hora / Breguedé e Azulão / Alicate e Berimbau / Inspetor de Quarteirão / Tudo isso, minha gente /
É o jumento, nosso irmão” - Luiz Gonzaga
Foi em 2022, num não muito distante sete de setembro, quando certo ex-presidente conclamou sua turba ensandecida de seguidores a gritar de volta, para ele, a alcunha, o epíteto, a titulatura, o cognome de “Imbrochável".
Malzaê pela recordação infeliz. Foi só pra dar um "recap” do período trevas que geral passou e teve o ano passado como o auge da loucura que tomou o país. Mas, pode ficar de boas que não vai ser sobre aquela burrice toda que eu vou discorrer por aqui.
Foi só pra reforçar que, nem tudo são espinhos. Alguns filmes lançados em 2022 tornaram a vida um pouco melhor na terra plana. Pela órdi: “Aftersun” (Charlotte Wells), "Mato Seco em Chamas” (Joana Pimenta e Ardiley Queirós), “Close” (Lucas Dohnt), “Triângulo da Tristeza”(Ruben Östlund), “Marte Um" (Gabriel Martins) e, assunto de hoje, "EO” (Jerzy Skolimowski).
Imagine que o herói não muda de expressão, zurra e reage no coice. O protagonista ou "trota"gonista é “EO”, um burrinho obstinado que depois de escapar de um circo, começa uma jornada pela Europa. Atura vários donos amalucados, trabalhos extenuantes, gente boa, gente má e quase morre até sair da Polônia e chegar na Itália. Ao contrário dos Saltimbancos, ele não encontra um cachorro, uma galinha e nem uma gata. Segue no corre sozinho e o filme se torna uma espécie de road movie ou "rédea” movie (tá bom, vou me conter nos trocadilhos).
Filmes com animais são sempre bem chegados, (“Marley e Eu”, “Free Willy”, “Beethoven” e aquele com o Richard Gere) apesar de toda água com açúcar que escorre da tela. Não é o caso. EO é um tantinho assim fiel a realidade mas também abraça a poesia com uma fotografia que deixa o mundo e as pessoas na perspectiva do burro. É uma história da humanidade através do olhar do burro. Pode até parecer uma enorme burrice, mas achei uma bela metáfora. Pra minha vida, talvez.
Do alto de seus 84 anos, a sagacidade do diretor Jerzy Skolimowski (roteirista de A Faca na Água) para criar alguma conexão do espectador com a atuação contida e resoluta de EO, é construída também pela música, a trilha orquestral do filme funciona como sugestões do que seriam os pensamentos do animal.
Por incrível que pareça, EO não foi o primeiro filme a ter um burro ou um jumentinho como protagonista. Teve um precursor: "Au Hasard Balthazar” (1966) ou, na tradução brasileira, "A Grande Testemunha”, de Robert Bresson.
Sinopse: Vida e morte de Balthazar, um burro, desde uma infância idílica até a idade adulta como um animal de carga oprimido.Uma visão sem limites da crueldade humana, sofrimento e injustiça, filtrados pelos olhos de um burro.
Influência declarada de Skolimowski, que assistiu "Balthazar” na época do lançamento. Segundo ele, em uma entrevista, foi a primeira vez que um filme o fez chorar.
EO concorreu ao Oscar de "Melhor Filme de Língua Internacional”. A academia preferiu “Nada de Novo No Front” (Edward Berger) sobre a burrice da guerra.
Pra fechar, música de Gonzagão e os feitos do jumento pátrio: