Sou de outro tempo. Chego tarde no rolê e, como diriam Os Seletores de Frequência, o processo é lento. No entanto, a partir do texto da Jarid Arraes sobre influências literárias inusitadas e desconcertantes, rolou uma acelerada na newsletter dessa semana. Essa mesma que você agora desliza com a ponta dos dedos.
Sempre achei a Lady Gaga uma persona pop cativante. Acompanho sua carreira desde os idos de 2008, quando ela parecia uma versão dance do Marilyn Manson com o espírito teatral das drags em Poker Face e Bad Romance. Depois, me diverti com os vídeos do PC Siqueira imitando a coreo de Telephone e alguma coisa do “Born This Way” (2011). Porém, não me pegou em “Artpop”(2013) e parei definitivamente na fase american standards com o Tony Bennet e Shallow Now com o carinha do “Se Beber, Não Case”. Também fui pouco em “Joanne” (2016), “Chromatica” (2020) e “Harlequin” (2024). Sorry, little monsters. Mas o ledor já sabe, sou de outro tempo. Um dia chego lá.
Entrementes, não é segredo, Gaga já deve estar sob os eflúvios da energia caótica de Copacabana. Assim, ela trouxe a de volta sua essência original com uma batida que lembra Major Lazer com tamborzão, somada a uma certa qualidade gótica em Abracadabra. Por aqui, segue o refrão irresistível no repeat:
Abracadabra
Amor oh na na
Abracadabra
Morta oh gaga
In her tongue she said
Death or love tonight?
Esse hit me pegou muito. Soa como uma volta as origens, os primeiros sucessos (The Fame, Paparazzi), revisitando sonoridades passadas em algum lugar entre o funk-pop anos 80 de passeio pelo techno/industrial. Aqueles pique Trent Reznor, Madonna Ray of Light anos 90 dançando com a parede. Puro suco do pop millenial ou como li em algum lugar: “Mayhem”, o novo disco, é um retorno ao sonho gótico. Concordo. Gostamos.
Gaga, 38 anos, cantora, compositora, atriz, domina o piano, synths e batidas eletrônicas. Cria conceitos e compõe canções autobiográficas, arrasou no último Saturday Night Live, é uma voz ativa na defesa LGBTQIA+ e ainda não vi Casa Gucci (2001), mas ela é a melhor coisa de Coringa: Folie à Deux (2024).
“Ela é como nós, exceto que, obviamente, melhor.”
Caso o atento ledor tenha se distraído, este é o momento de resgatar a conexão com o texto do substack da escritora Jarid Arraes (As Lendas de Dandara, Heroínas Negras Brasileiras, Redemoinho em Dia Quente, Um Buraco com Meu Nome, Corpo Desfeito). Ela relembra um evento no qual foi convidada a escrever sobre sua “maior influência como escritora” e surpreendeu ao afirmar que foi Lady Gaga quem a ensinou a nascer como autora.
A escolha causou desconforto entre escritores e críticos, que esperavam influências literárias mais tradicionais e questionaram a legitimidade de sua declaração. Sua experiência escancara o status volátil na literatura: um dia celebrada, no outro ignorada. Também expõe a hipocrisia do mercado editorial, onde muitos escritores evitam discutir questões sensíveis por medo de represálias.
Jarid percebeu a expectativa de que gostariam que ela citasse referências eruditas, mas reafirma sua formação que mistura cultura pop, poesia e vivências cotidianas. Ela se vê em Lady Gaga nessa constante sensação de estar à margem e ressalta momentos da trajetória da cantora que ilustram a tensão entre ser acolhida e rejeitada.
Visão. Além de Lady Gaga, eu poderia citar outras cantoras, artistas, intérpretes e compositoras como Patti Smith, Siouxsie, Kim Gordon, Kim Deal, Nina Simone e Billie Holiday que me influenciaram e continuam influenciando, talvez muito mais do que qualquer autor literário. E tenho paixão por livros.
Explico: muitas vezes, no meio, no processo de escrita de qualquer texto que escrevo, paro e penso, me considero melhor leitor do que escritor. Aqueles pique “metaliteratura”, saca? Sinto mais disposição em escrever sobre e falar de livros. Costurar citações, cultivar uma leitura ativa em que até a previsão do tempo pode me transportar para um poema de Alberto Caeiro.
Com música é a mesma coisa, só que diferente. É uma atividade que me acompanha desde que me entendo. Desde as primeiras mixtapes de fita K7 pro walkman até as mais de duzentas playlists em uma famosa plataforma de streaming de música. Todas pensadas e da maior importância. É na fronteira música e literatura que me apraz estar e escrever. Palavra.
Punks na Academia
Aproveitando a lebre levantada para escrever sobre uma descoberta recente para ambientes adversos, como uma academia, por exemplo. Um lugar onde tento manter a sanidade apesar do som alto, luz e telas de TV. Ao mesmo tempo, sei que é importante pra saúde, idade, previne, regula, melhora o humor e afasta a zica.
O album “Punk Tactics”, de Joey Valence & Brae é de 2023, mas só descobri agora e é perfeito pra ouvir em 40 minutos de esteira. Comecei esse texto falando de voltar as origens, pois, o disco é um resgate de sonoridades do hip hop dos anos 1990 com uma pegada de humor surreal e referências. Dialoga especialmente, com o legado dos Beastie Boys, Run-DMC e até elementos do nu metal, como Linkin Park e Limp Bizkit. Fui buscar alguma coisa da biografia da dupla e tomei pelo meio da cara:
Claramente a intenção aqui não é sutileza. Quem é o da fuck que lê biografias no spotify? Resposta: eu. Pesquisa vai, pesquisa vem, o duo é uma força no cenário independente dos EUA. A produção de Joey Valence é cheia das linhas de baixo pesadas, beats lo-fi e os vocais de Brae são gritados entre o punk e o rap. Mas sem saudosismos, “Punk Tactics” é um produto feito por e para a geração TikTok.
O foco de Joey Valence & Brae está na reconexão com uma era do hip hop mais anárquica e despreocupada e pode soar como uma paródia bem executada da chamada old school. Bem como eu me sinto queimando calorias na esteira.
Caro ledor, para continuar essa resenha delícia considere passar para a versão paga (10 reais mês/50 ano). Ou tenha uma boa semana e até o próximo domingo!